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O Senhor dos Céus: SR-71



          É um pássaro, é o Superman...? Não, meus caros, é o implacável SR-71 Blackbird rasgando os céus! Criado pela Lockheed´s Skunk Works como um projeto secreto norte-americano durante a Guerra Fria, esse Deus da aviação ainda detém todos os recordes de velocidade. Podendo alcançar incríveis Mach 3,3, a ex-União Soviética sentiu o que era real medo e fúria quando uma aeronave norte-americana podia ir e vir no espaço aéreo que quisesse sem ninguém conseguir pará-la.

          A iniciativa para o desenvolvimento do SR-71 veio logo após um trágico incidente com a então atual aeronave espiã de mais alto nível dos EUA, o U-2, este o qual tinha sido projetado na tão famosa Área 51, nos desertos de Nevada. O U-2 era uma aeronave que operava em altitudes em torno de 21 km acima do nível do mar (altitude duas vezes maior do que o de aviões comerciais) e tinha o objetivo de tirar fotos espiãs dos territórios inimigos, especialmente da União Soviética. Pensava-se que voando em tal altitude, nenhuma arma conseguiria abatê-lo, porém, em 1960, os soviéticos conseguiram derrubar um, o que provocou a ira dos norte-americanos. Bem, se existiam mísseis que podiam derrubar os aviões em altitudes tão elevadas, era necessário então criar algo que alcançasse extremas altitudes e que conseguisse voar tão rápido que qualquer míssil ficaria comendo poeira caso viesse em perseguição. É sonhar muito longe? Talvez, mas os EUA conseguiram, desse sonho, criar a aeronave espiã perfeita!

O U-2 (foto à esquerda) era a grande menina espiã dos olhos norte-americanos, até que uma dessas aeronaves foi derrubada pelos soviéticos (na imagem à direita, liberada em Moscou no ano de 1960, é retratado os destroços do U-2 sendo observado por um grupo de cidadãos soviéticos)

          Dos 32 SR-71 produzidos desde 1966, apenas 12 deles foram destruídos, mas não pelos inimigos, e, sim, por acidentes de voo. Entre 1966 e 1990, o SR-71 da Lockheed realizou milhares de missões ao redor do globo, espionando instalações militares por todo o mundo, seja na Rússia, seja no Círculo Polar Ártico. Nada ficava em seu caminho, nada conseguia atingi-lo em seu caminho. Em seu recorde de velocidade (2), o SR-71 alcançou impressionantes Mach 3,3, ou seja, 3529,6 km/h! Para cada 'Mach', uma velocidade do som é atingida, e o SR-71 conseguia desenvolver uma velocidade mais de 3 vezes maior do que a velocidade do som no ar! Em voos de rotina, ele conseguia cruzar todo os EUA em cerca de 64 minutos! No livro The Untouchables, seu autor, Brian Shul, um dos pilotos dessas aeronaves, afirma ter conseguido alcançar o Mach 3,5, em 15 de  Abril de 1986, quando evadia um míssil que o perseguia no espaço aéreo da Líbia.


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          Somando-se ao alto poder de velocidade, o SR-71 também quebrou todos os recordes de altitude, quando conseguiu operar durante um bom tempo a uma altitude de 25,93 km. Em outro recorde, no dia 26 de abril de 1971, ele atingiu 24 km e manteve o voo por 10 horas e 30 minutos. Os pilotos voavam tão alto com ele que a vista da curvatura da Terra era algo mais do que habitual. E isso tudo sem contar que, além dos seus impressionantes números de voo, toda a sua estrutura foi desenvolvida para evitar o máximo possível sua identificação por radares. Desde sua cor negra até as curvas especiais em sua parte externa, tudo foi projetado para absorver ao máximo o espectro de radiação do radares ao invés de refleti-los, diminuindo enormemente qualquer assinatura possível de ser captada. E, para completar o quadro, ele era equipado com sensores e câmeras de alta performance, garantindo um serviço de espionagem da mais alta maestria.

Em altitudes que frequentemente superavam os 24 km acima do nível do mar, vistas da curvatura do globo era comuns para os pilotos do SR-71

         Devido à sua alta velocidade e altitude de ação, havia todo um elaborado sistema preparado para proteger o piloto e o co-piloto dentro da cabine. O principal deles era a exigência de uma roupa pressurizada, como as dos astronautas. As altas altitudes diminuem enormemente a pressão do ar, tornando a disponibilidade de oxigênio e capacidade respiratória muito reduzidas. Com as roupas, uma melhor pressurização e fornecimento de oxigênio eram alcançados, e ainda protegia os pilotos de terem a água dos seus corpos ebulindo, por causa da baixíssima pressão e alta temperatura no ambiente da aeronave. Neste último ponto, a roupa também protegia os pilotos de um verdadeiro inferno. Mesmo voando a altas altitudes e, portanto, com menor ar para gerar fricção, este processo gerava bastante calor na estrutura do SR-71. No Mach 3, por exemplo, as quinas da aeronave chegavam a atingir os 315°C! Sem um sistema de resfriamento e roupas especiais, os pilotos poderiam ficar, letalmente, submetidos a um aquecimento de 120°C dentro da cabine.

Roupa pressurizada necessária para pilotar o SR-71

            Falando de altas temperaturas, outro desafio foi desenvolver um combustível adequado para o SR-71. Sim, porque o combustível precisava ser algo com alta capacidade de geração energética na sua queima e, ao mesmo tempo, precisava resistir às grandes temperaturas desenvolvidas na estrutura dessa aeronave. Além disso (junto com a pressão do ar) ser o fator de restrição de velocidade do SR-71, já que temperaturas acima de 427°C em partes específicas da turbina poderiam destruí-la, se a parte externa ultrapassava os 300°C, isso significa que os tanques de combustível, no mínimo, ficariam expostos a um aquecimento em torno de 190°C, segundos os especialistas. Portanto, isso significava grandes riscos de incêndios ou explosões. Assim, o combustível precisava também ser capaz de suportar altas temperaturas sem entrar em ignição. Surgiu assim, o JP-7, uma mistura de hidrocarbonetos, fluorocarbonos, agentes oxidantes e um composto de césio, conhecido como A-50, que ajudava a disfarçar as assinaturas de infravermelho das plumas de exaustão, dificultando a identificação por radares.

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             Em uma entrevista dada à BBC em 2013, outro piloto velho de guerra do SR-71, Coronel Rich Graham, com 15 anos de experiência na aeronave, relatou o caso de ter visto um chefe de tribulação jogar um cigarro aceso na mistura JP-7 e o mesmo ser apagado por esse combustível, sem nada ter acontecido, de tão estável termicamente que ele era (Ref.3). Resolvido o problema do super aquecimento, era a hora de resolver outro problema gerado com a resolução desse último: como fazer um combustível tão estável entrar em ignição e injetar uma quantidade de vapor de queima suficiente na turbina? A solução foi, literalmente, criar uma explosão no JP-7, com "tiros" de trietilborano (TEB), uma substância altamente explosiva. Com isso, a energia necessária para iniciar o motor era facilmente atingida, em uma explosão de cor verde característica (a primeira coisa que você vê quando a turbina é acionada é um jato de chamas verdes). Só que havia um limite de 16 desses tiros para cada turbina e, portanto, os pilotos precisavam racionalizar bem esse estoque durante as missões.

Em Mach 3,3 as temperaturas nas bordas na aeronave podiam superar os 320°C e para resolver o problema da pressão do ar sobre a parte fronteira das turbinas, uma estrutura em forma de cone foi colocada nessa parte para diminuir a força de ação do ar, salvando a turbina de ser estraçalhada em velocidades acima do Mach 3

            Com esse demônio hasteando a bandeira norte-americana por todos os cantos do globo, a União Soviética foi à loucura, e começou a investir em diversos projetos de aeronaves para criar uma que destronasse o SR-71 do espaço aéreo internacional. Nesta busca incessante, os soviéticos quase alcançaram um rival à altura com a criação do MiG-25. Ele foi um interceptor concebido com o objetivo de dar uma resposta aos EUA quanto à criação do SR-71, do caça F-108 e do avião de bombardeio B-70. Mas os planos soviéticos foram frustrados por dois motivos:

1. O primeiro é que o MiG-25 não possuía uma estrutura elaborada o suficiente para suportar velocidades acima do Mach 2,8. Em uma missão no território de Israel, em 1971, um deles forçou um Mach 3,2 e teve suas turbinas destruídas, e foi somente a sorte que permitiu que o mesmo conseguisse retornar para a base. Além disso, sua capacidade de voo era muito limitada, não conseguindo se manter no ar por muito tempo com altas velocidades. 

MiG-25, a grande esperança dos soviéticos contra o SR-71

2. O segundo problema veio com uma traição. Antes do conhecimento de qual aeronave tinha sido projetada pelos soviéticos, os EUA pararam de mandar missões para o território da União Soviética, entre o período de 1971 e 1976, com medo de que o SR-71 e outras aeronaves pudessem ser interceptadas. E essa propaganda de blefe estava indo bem para os soviéticos, até que, em 6 de Setembro de 1976, o piloto e tenente Viktor Ivanovich Belenko, em uma missão de teste com o MiG-25, pegou sua aeronave e partiu com ela para o território do Japão, em um ato de traição contra a União Soviética. Ele pousou a aeronave em solo japonês e entregou de bandeja o tão almejado segredo soviético. A partir daí, todas as nações passaram a ter conhecimento do que era e como era feito o MiG-25, aferindo também suas capacidades de voo (1). Segundo Belenko, sua decisão de trair sua pátria foi motivada pela não aceitação do regime soviético e ideais comunistas. E, é lógico, os EUA receberam o piloto com flores e o tornaram um cidadão norte-americano.

Identidade de Belenko em exposição no Museu da CIA, em Washington DC

            E para piorar a história, a União Soviética meio que ajudou a criar o SR-71, ao fornecer, de forma indireta, matéria-prima abundante para a construção dos modelos: titânio. Cerca de 92% dessa aeronave era feito com titânio, um metal que apesar de ser difícil de ser trabalhado garante leveza e alta resistência às aeronaves (já o MiG-25 utilizava aço). Existiam bem poucas jazidas do minério desse metal (rútilo, formado de dióxido de titânio) no mundo na época (ainda hoje é assim), sendo que uma das grandes era encontrada na União Soviética. Através de contatos com países do Terceiro Mundo, os EUA fizeram vários acordos que garantiram uma vazão do comércio fechado de rútilo que vinha dos soviéticos, algo que salvou o projeto do SR-71 ou, no mínimo, não o atrasou. 

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          Até a sua aposentadoria, o SR-71 realizou feitos fantásticos e escapou ileso de várias armadilhas criadas por nações rivais ou países incomodados com a sua presença invasiva em seus espaços aéreos. Mas nenhuma emboscada - as quais apostavam no conhecimento das rotinas de voo do SR-71 - conseguiu pegá-lo, seja com interceptores seja com mísseis. E entre um dos grandes feitos históricos dessa aeronave foi em ajudar a colocar um fim definitivo na guerra de Yom Kipur, em 1973. Nessa época, Árabes e Israelenses estavam travando vários conflitos por causa da criação do estado de Israel, este último o qual foi fruto da resolução unilateral para a problemática questão judaica, cuja situação havia piorada durante a 2° Guerra Mundial. Durante o Yom Kipur, as nações diretamente envolvidas estavam mentindo sobre suas posições militares, algo que infligia acordos internacionais de cessar fogo. Uma missão do SR-71 acabou tirando fotos que provavam a mentira de ambos os lados (judeus e árabes) e isso acabou ajudando a colocar um fim forçado ao conflito, o qual estava aumentando bastante a tensão entre EUA e URSS.


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         Mas em 1990 a aposentadoria militar chegou para o SR-71. Por causa de motivos políticos e práticos, as missões dessa aeronave tiveram fim, depois de 24 anos de atividade. O principal fator para essa decisão foi que os satélites mais avançados em órbita da Terra já estavam cumprindo o papel do SR-71, então, não fazia muito sentido colocar um veículo tão caro (manutenção e combustível), e que não carregava armamento algum, no ar. Para se ter uma ideia, essa aeronave chegava a ter um custo de 30 mil dólares por hora. Agora acumule isso durante um ano inteiro. Além disso, a Guerra Fria tinha chegado ao seu fim, não sendo mais necessário exaurir qualquer último recurso para sobrepujar o rival caído. Mas o SR-71 não teve um completo fim de uso. Durante praticamente toda a década de 90, a NASA pegou a aeronave emprestada dos militares para fazer experimentos científicos com a mesma em altas altitudes e altas velocidades. Somente em 9 de outubro de 1999 o SR-71 finalmente ganhava seu lugar permanente de descanso e marcava suas asas na História como um verdadeiro mito dos céus.

A NASA usou dois modelos do SR-71 em seus experimentos, o SR-71A, e o SR-71B, onde o primeiro teve seu uso finalizado em 1999 e o segundo em 1997

(1) É interessante mencionar que a CIA projetou e testou um modelo de aeronave que viria a ser a base de construção do SR-71 pela Força Aérea dos EUA. Conhecida como A-12 OXCART, essa aeronave foi a primeira, e breve, resposta à derrubada do U2 pelos russos. Testado em 1965, ele se mostrou quase tão bom quanto o SR-71, e também foi a base de inspiração para a construção de outros dois modelos supersônicos pela Lockheed para a CIA: o YF-12A e o M-21.

O SR-71, à esquerda, e o A-12, à direita, ambos bem parecidos entre si

(2) Existem boatos e especulações de que os EUA estejam produzindo aeronaves militares que vão desbancar o atual recorde de velocidade do SR-71, as quais poderão alcançar até mesmo velocidades superiores ao MACH 5, mas nada oficialmente confirmado.

(3) O MiG-25, quando totalmente desvendado ao mundo, foi um dos responsáveis por inspirar os EUA na criação do F-15, aeronave que teve seu primeiro voo em 1972 e é ainda bastante usada pelos norte-americanos. Os russos também aproveitaram o MiG-25 para aperfeiçoarem o modelo e criarem o MiG-31, este o qual está em plena atividade hoje no território da Rússia. O MiG-31, por enquanto, guarda seus segredos mais íntimos do resto do mundo.

F-15, à esquerda, e MiG-31, à direita

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REFERÊNCIAS
  1. https://wayback.archive.org/web/20000304181849/http://www.marchfield.org/sr71a.htm
  2. http://www.bbc.com/future/story/20130701-flying-the-worlds-fastest-plane
  3. http://www.bbc.com/future/story/20130701-tales-from-the-blackbird-cockpit
  4. http://web.archive.org/web/20100729111021/http://records.fai.org/general_aviation/aircraft.asp?id=779
  5. http://www.bbc.com/future/story/20140224-flying-at-the-edge-of-space
  6. Arquivos de aviação do governo norte-americano 
  7. http://www.sr-71.org/blackbird/records.php
  8. https://www.gwu.edu/sites/www.gwu.edu/files/downloads/U2%20%20history%20complete.pdf
  9. https://www.nasa.gov/centers/armstrong/news/FactSheets/FS-030-DFRC.html 
  10. http://webs.lanset.com/aeolusaero/Articles/Jim_Wilson_Yom_Kippur_War_SR71_flight-25Jan10.pdf 
  11. https://www.cia.gov/news-information/featured-story-archive/2015-featured-story-archive/oxcart-vs-blackbird.html