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Auto-hemoterapia possui suporte científico de eficácia?


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           A auto-hemoterapia (!) é uma técnica que consiste na retirada de sangue por punção venosa e sua imediata administração por via intramuscular ou subcutânea, em que o doador e o receptor são o mesmo indivíduo. Consta na escassa literatura existente sobre o assunto que a auto-hemoterapia foi introduzida como tentativa terapêutica por Ravaut, por volta de 1910 e, desde então, tem sido utilizada como tentativa de tratamento de diversos problemas de saúde, tanto em humanos quanto em animais, incluindo desde acne e COVID-19 até cânceres.

          A auto-hemoterapia apoia-se na comparação do procedimento à aplicação de uma vacina autógena, estimulando a resposta imune do organismo diante de uma série de patologias, infecciosas ou não, cuja explicação se baseia no raciocínio do foco de infecção. É alegado que, através desse procedimento, a resposta imunológica aumenta, por induzir uma maior produção de macrófagos no sangue do indivíduo, já que o corpo reconhece o próprio sangue injetado como um agente invasor. 

          A técnica clássica de auto-hemoterapia - coleta e uso do sangue de um paciente para reinfusão sem tratamento - é no Brasil a mais utilizada. Esta metodologia, segundo os seus seguidores, consiste na retirada de 5 a 20 ml de sangue por via endovenosa, da região antecubital do braço, de um paciente e a imediata injeção do mesmo, sem tratamento prévio deste sangue, por via intramuscular, no músculo deltóide ou glúteo do mesmo paciente de 7 em 7 dias. O procedimento, segundo seus adeptos, tem por princípio estimular o sistema imunológico, por atuar como uma vacina autógena

            O "probleminha" nessa história é que não existe comprovação científica de que a auto-hemoterapia funcione. Pelo contrário, existe um perigoso risco de infecções, coagulação intravascular, edemas, sangramentos internos, dores fortíssimas no músculo visado, e outros efeitos colaterais, os quais podem ser tornar bastante graves. Quando você procura estudos científicos (clínicos e de revisão) relativos ao procedimento, nada relevante nas últimas décadas é encontrado. Ou seja, não existe comprovação de eficácia e nem mesmo estudos mais recentes para dar qualquer esclarecimento sobre o assunto ou reafirmar a valia terapêutica da técnica.  Aqui no Brasil, um médico bem controverso, chamado Dr. Luiz Moura, começou a disseminar a técnica, há alguns anos, através de um DVD que se tornou bastante popular em 2007.

           Vamos lá. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) condenam com rigidez a técnica, e qualquer profissional de saúde é proibido de praticá-la no país. E olha só: muitos leigos da área de saúde, e até mesmo alguns "profissionais" da área, são pegos aplicando o procedimento e cobrando valores que podem chegar a 500 reais, mesmo a técnica sendo muito simples. Esse último ponto justifica a persistência na defesa desse "tratamento milagroso". E o pior disso tudo é que, por ser uma técnica simples, muitas pessoas, por conta própria, acabam fazendo o procedimento em casa, às vezes sem higiene nenhuma, o que traz riscos seríssimos para a saúde!

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         Nesse cenário, é realmente engraçado o povo mais alienado criticando a proibição dessa técnica dizendo que isso é um golpe da medicina tradicional para arrancar mais dinheiro dos pacientes. Claro, porque quem criou essa técnica não poderia ter planejado, nunca, um golpe com várias pessoas para ganhar dinheiro fácil do povo iludido... Mas o mais preocupante dessa história toda é que as pessoas acabam abandonando um tratamento seguro e eficiente para embarcar em algo suspeito e não comprovado.

           No Brasil, por exemplo, esses métodos alternativos ganham popularidade e seguidores, mesmo sem comprovação científica nenhuma por trás, porque vivemos em uma realidade socioeconômica bastante desfavorecida. E eu não culpo as pessoas por quererem adquirir uma cura eficaz e acessível para os seus males. Mas é aí que entram os golpistas. É preciso ficar atento! E quando entra a palavra ´câncer´ na jogada, as pessoas que possuem a doença correm, desesperadas e iludidas, para a ´cura´ propagandeada, mesmo isso podendo fazer mais mal do que bem na maioria das vezes. Eu já repeti isso aqui diversas vezes: não existe apenas um tipo de câncer, são vários, cada um deles com características únicas; dizer que um único tratamento específico irá curar todos, é algo realmente desonesto.         

          E é também muito estranho o pessoal defender com tanto afinco o Dr. Luiz Moura, mesmo com toda a comunidade médica dizendo o contrário sobre a técnica, não existindo, aliás, estudos científicos que deem qualquer sombra de razão para o procedimento. É como o recente e polêmico caso da fosfoetanolamina, defendida por um pesquisador aposentado de química da USP. Por que acreditar tão fielmente neles e não em um dos milhares de outros profissionais da área? Existe lógica? Ou será que todos os médicos do mundo estão unidos em uma teoria da conspiração maluca, exceto os dois? Bem, é algo a se pensar.

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 (!) Não confundir a auto-hemoterapia com outras técnicas parecidas (que usam o sangue do paciente) e baseadas em ozônio gasoso (ozonioterapia). Os mecanismos terapêuticos alegados são distintos, apesar da ozonioterapia também ser uma medicina alternativa sem sólido suporte científico. Em resumo, na "auto-hemoterapia com ozônio", o sangue do paciente é retirado, borbulhado com ozônio e transferido novamente para a corrente sanguínea de origem. O objetivo desse procedimento é reforçar o sistema imunológico do paciente, combatendo, principalmente, os radicais livres.  Essa técnica, apesar de ser bastante usada e testada, ainda é controversa, associada a resultados clínicos conflitantes. 

> Para mais informações: A ozonioterapia é eficaz e cura doenças?
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. Resposta da Anvisa
  2. http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2007/12_2007.htm
  3. http://saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=84204
  4. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4186361/
  5. http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/7/28a31.pdf
  6. http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3462009_4372.html
  7. http://revista.fmrp.usp.br/2015/vol48n4/REV2-Auto-Hemoterapia-uma-revisaoa-da-literatura.pdf
  8. Auto-hemoterapia, intervenção do estado e bioética. Revista da Associação Médica Brasileira, 54(2). https://doi.org/10.1590/S0104-42302008000200026
  9. http://www.htct.com.br//en-uso-da-auto-hemoterapia-em-pacientes-articulo-S2531137920312414
  10.  Holsback et al. (2021). Eficácia clínica da auto-hemoterapia como adjuvante no controle de nematódeos gastrointestinais em ovinos naturalmente infectados. Ciência Animal Brasileira, 22. https://doi.org/10.1590/1809-6891v22e-69931