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As prisões servem apenas como punição?


   

           Diferente do que a maioria pensa, os presídios foram criados como medida de reabilitação social para os indivíduos que cometeram atos ilegais dentro da sociedade, e não são, simplesmente, um castigo. Claro, isso tudo fica na teoria jurídica, porque, na prática, em grande parte dos países, as prisões funcionam para o único propósito da punição, apenas piorando a vida dos presidiários e contribuindo ainda mais para o aumento da criminalidade. Mas quando o esforço da reabilitação é colocado em ação, notícias como a descrita a seguir comprovam o potencial de uma ´oportunidade´.

           A notícia começou a se espalhar agora aqui no Brasil, mas ela é incrível! No final de setembro desse ano, um grupo de estudantes de Direito de Havard, umas das melhores Universidades de alto nível do mundo, foi derrotada em um debate por um grupo de prisioneiros que faziam parte de um programa de reeducação social e acadêmica em uma penitenciaria de New York! E mais: no sorteio de temas, os prisioneiros ainda tiveram azar de sair com o pior deles para defender com argumentos. Enquanto os estudantes de Havard, os quais já haviam ganhado várias competições de debate de nível nacional e internacional, pegaram o tema ´Por que permitir a matrícula de estudantes filhos de pais ilegais no país ( como os imigrantes) nas escolas do país?´, os prisioneiros ficaram com a difícil missão de defender o quase impossível ´Por que negar matrícula aos estudantes filhos de pais ilegais no país?´. E, se não bastasse, para piorar mais ainda: como na prisão, não é permitido internet, eles tiveram que fazer as pesquisas de argumentação através de livros, revistas e jornais, enquanto os estudantes tiveram acesso a qualquer fonte de informação! E eles ganharam!

                 Através de diversos argumentos muito inteligentes, o grupo da prisão montou a seguinte conclusão: as escolas que acabam aceitando esses alunos, geralmente, têm qualidade pior e, se elas se recusassem a fazer as matrículas, escolas de alto nível e ONGs poderiam oferecer a eles uma educação de melhor qualidade. Já a construção de ideias do grupo de Havard não foi tão boa para vencer os prisioneiros. Os juízes da competição ficaram impressionados com a capacidade articuladora dos inesperados vencedores e todos bateram muitas palmas no final, com os estudantes derrotados publicando uma nota no Facebook elogiando muito o grupo pela vitória, demonstrando estarem honrados pela derrota digna. Mas os presos, desde o começo, deixaram explícito que não concordavam com a ideia, já que a educação deveria ser um direito de todos em qualquer lugar onde ela é oferecida. Eles, mais do que ninguém, sabem muito bem o que é isso.

                         Os detentos do debate fazem parte de um programa educacional promovido pela Universidade de Bard, o qual atende 300 prisioneiros com cursos de formação em diversas áreas. E a iniciativa tem sido um sucesso, com apenas 2% do formados reincidindo na vida de crime nos 3 anos seguintes de formatura e liberdade. Em comparação com os presos que não recebem formação, estes possuem uma taxa de reincidência acima dos 40%. Sim, educação, como classicamente é proferido, é uma das melhores ferramentas para se mudar o mundo. Além desse programa de Bard, grande parte dos presídios americanos, e de outros países desenvolvidos, promovem programas de capacitação profissional e trabalhos sociais que objetivam integrar o indivíduo marginal de volta ao bom convívio social. Bem, isso não quer dizer que todos irão se recuperar ou que a sociedade irá aceitá-los rapidamente, e de bom grado, mas já é infinitas vezes mais humano do que o presenciado aqui no Brasil, por exemplo.

                         No nosso país, já bastante castigado pela corrupção, não é nem preciso dizer qual é a situação dos presídios presentes no território. Pode-se quase afirmar que não existe qualquer ideia parecida com ´oportunidade´ dentro e fora das celas dessas prisões. Nossos presos são, literalmente, jogados em espaços projetados para abrigarem metade do número de pessoas existentes na prática. O dinheiro investido nos presidiários, com frequência, sofre críticas por parte da sociedade, pois chega a ser maior do que o salário mínimo. Mas aí é que está o problema: parte desse dinheiro é desviado pela corrupção e a outra parte é mal gasta. Existe zero financiamento em educação, e podemos resumir os presídios brasileiros como masmorras alimentadas com violência, doenças e muito descaso. Um indivíduo que rouba um relógio, independente das razões, é encarcerado dentro desses lugares insalubres e sai quase um psicopata, viciado, transmissor de doenças e extremamente tendencioso em voltar a cometer crimes muito mais violentos. Só no ano passado, mais de 1 milhão de brasileiros passaram pela prisão.

A superlotação e descaso praticamente transformam as cadeias em verdadeiros infernos, de onde é mais provável saírem demônios do que pessoas/ Fonte da imagem: http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/7254
                       Mas, aí, muitos pensam: ´Pelo menos estão sendo castigados´. Não. Quem está sendo castigado é a própria sociedade, porque as prisões acabam sendo um catalisador da violência, criando marginais muito mais perigosos do que quando entraram. Além disso, sem esperança nenhuma lá dentro, e em péssimas condições de vida, as rebeliões e fugas são constantes, espalhando ainda mais riscos ao ambiente em volta. Sem contar, claro, com a corrupção, infiltrada e enraizada em todos os setores do nosso país. Grande parte dos presos acaba criando verdadeiros esquemas de tráfico dentro dos presídios, auxiliados por guardas e outros responsáveis que deveriam estar fiscalizando e impedindo essas ações ilegais. Celulares, computadores, armas, drogas e tudo o que sua imaginação permite criar entram para dentro das penitenciárias, recriando o antigo ambiente em que os presos costumavam ficar. Ou seja, esse é o programa educacional incorporado nas nossas cadeias: ´Como voltar à vida do crime - Aula 1´.  Resumindo: o nosso já perturbado sistema social cria criminosos lá fora, e a cadeia intensifica esse trabalho em seu interior. Isso só serve para criar uma maior divisão da sociedade, aumentando ainda mais as suas margens, e nutre um ódio ainda maior em nós dos criminosos e estes também acabam nutrindo ainda mais ódio de nós. Acabamos nos esquecendo de que todos nascemos do mesmo modo, mas as oportunidades ao longo do percurso da vida não foram as mesmas. E esquecemos também o que tornou os humanos essa espécie tão especial: união e disposição em ajudar o mais próximo.

                          E que o exemplo de New York fique  de lição para todos os países, como o Brasil, que tratam todos os seus prisioneiros como lixo, em celas superlotadas, violentas e sem chance alguma de recuperação. Os sistemas de reeducação prisional, quando bem implantados, funcionam. A maioria das pessoas querem mudar, querem vencer na vida, independente de onde vieram. Nem todos dentro da cadeia são monstros, estando apenas perdidos na vida, precisando apenas de uma oportunidade. As prisões, como eu disse no início, são centros de reabilitação, mas acabamos usando elas apenas para a tortura e criação de mais criminosos. Exemplos como o desse debate merecem muitas palmas e servem para abrirem nossas mentes para o óbvio: os crimes nascem, em sua maioria, devido às próprias decisões tomadas pela sociedade que os repudiam.