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Criminalizar, descriminalizar ou legalizar a prostituição?


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          A prostituição deveria ser algo ilegal? A profissão considerada a mais antiga no mundo fincou raízes profundas e provavelmente impossíveis de serem cortadas da sociedade. O sexo, no geral, é o ato de prazer mais apreciado pelos humanos, e, como é a nossa ferramenta de reprodução, o corpo de todos é inteiramente voltado para ele, como regra geral biológica. Portanto, toda a nossa sociedade gira em torno do sexo e o mercado de trabalho não fica de fora.

         Como o sexo é algo tão cultural quanto biológico na nossa sociedade, todo um questionamento ético, moral e religioso enovela o assunto. O comércio sexual torna-se, então, muito delicado e controverso. Quem está no ramo, argumenta que está vendendo uma habilidade corporal, como em várias outras profissões. Do outro lado, os condenadores dizem que a livre prática da prostituição, além de ser algo imoral, incentivaria muito mais indivíduos, principalmente jovens garotas, a tentarem uma vida de dinheiro teoricamente fácil, em um sistema que encobre tráfico de mulheres e crianças, doenças e drogas, tudo banhando em um torpor de violência. Mas entre esses pontos de vista, quem está com mais razão?


       Ao redor do mundo, existem quatro tipos de permissibilidade relativos à prostituição:



          A prostituição é a venda de serviços sexuais por uma mulher, homem ou transgênero. O termo ´trabalhador sexual´ (´sex worker´, no inglês) também costuma ser usado, mas não sem críticas, onde muitos argumentam que a venda sexual do corpo não é profissão, sendo algo moralmente ou criminalmente inaceitável. Alguns estudos sugerem que um pouco acima de 80% dos trabalhadores sexuais são mulheres, 17% são homens e 2% são transgêneros. Porém, outros estudos sugerem que cerca de 95% são mulheres.

           Em termos legais, o modelo mais adotado pelos países para lidar com a prostituição, como pode ser visto no mapa acima, é a completa ilegalidade (obs.: nos EUA, é ilegal em todo o território exceto em 13 municípios do Estado de Nevada). A distribuição do nível de legalidade no mundo não segue um padrão muito claro, sendo algo quase aleatório, especialmente quando analisamos a Europa. A Austrália é um bom exemplo para ilustrar essa incoerência, onde o país é, literalmente, dividido na questão. E mesmo quando analisamos os locais onde existe a descriminalização, várias restrições surgem. Enquanto em algumas localidades pode-se praticar a prostituição em qualquer lugar, outros limitam a prática apenas no domicílio da pessoa vendendo o serviço sexual ou apenas em regiões comerciais e longe das ruas. Em alguns lugares os bordeis são permitidos, em outros não. Já na ilegalidade também surgem embaraços, onde  a criminalização pode-se estender apenas para quem está ofertando o serviço (cafetões/inas e prostitutos/as), e/ou para quem está requisitando o serviço, ou seja, o cliente - na Suécia, por exemplo, desde 1999 ser um trabalhador sexual não é crime mas, sim, de quem compra os serviços sexuais. Alguns países são mais abertos às propagandas relativas à prostituição (anúncios em jornais e outros veículos), mas em outros isso é extremamente controlado. Em certos locais a pena é apenas a prisão e/ou multas, sendo que, em outros, pode ser punido com a morte.

           Além disso, um ato para ser definido como 'prostituição' pode requerer diversas características relativas à interação sexual e ao pagamento dependendo de onde a lei está sendo aplicada. Enquanto em alguns lugares a relação sexual precisa englobar o sexo oral, vaginal ou anal, em outros essa relação pode compreender um amplo espectro de atos sexuais e não necessariamente requerer um contato corporal direto entre os envolvidos. Quanto ao pagamento, existem alguns lugares onde dinheiro em espécie ou bancário precisa estar envolvido, mas em outros as compensações monetárias podem se estender para propriedades ou outros itens de valor.




             Já que foram mencionados, os EUA acabam sendo um exemplo bem curioso, onde apesar de ser uma prática ilegal, movimenta fortunas e é uma das práticas mais disseminadas em várias partes do país. Nos últimos 15 anos, a prostituição norte-americana migrou de uma base "de rua" para o mercado fechado (casas de massagens, agências de acompanhantes e mercado online), englobando até 85% de toda a atividade sexual, em termos de profissão, nos EUA, e cresce cada vez mais. Estima-se que no país a prostituição gere um mercado de $14 bilhões todos os anos. Dados de diferentes fontes sugerem que entre 16% e 30% dos homens norte-americanos já pagaram por sexo no país.

              De qualquer forma, podemos dividir as atitudes relativas ao tratamento legal da prostituição em 4 justificativas:

1. Prostituição é uma violação da dignidade humana;

2. Prostituição é meramente uma violação dos princípios morais ou uma ofensa contra a decência comum;

3. Prostituição é uma decisão autônoma de trabalhar em uma profissão de risco;

4. Prostituição é uma ocupação como qualquer outra.

            Baseando-se nessas quatro premissas, separadamente ou em conjunto, cada país acaba lidando com a prostituição de diferentes formas, estas as quais serão frutos de debates apoiados em diferentes tradições, diferentes condições legislativas/judiciárias e diferentes práticas processuais. Dito isso, podemos explorar cinco formas de tentativas para a resolução do problema da prostituição praticadas no mundo: ilegalidade, legalização, descriminalização, descriminalização com controle e criminalização do comprador. Cada uma delas recebem críticas negativas e positivas, algumas mais extremistas outras mais razoáveis.



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   ILEGALIDADE

             Aqui temos a completa criminalização da prostituição, fazendo qualquer tipo de envolvimento na prostituição ilegal. Como mencionado anteriormente, é a prática mais adotada no mundo. Aqueles que suportam a ilegalidade acreditam que a prostituição é errada pela sua própria natureza e que, por causa disso, deve ser extirpada da sociedade.

           Nesse caso, a prostituição é vista como algo perigoso, danoso, desumano e que fomenta uma forma moderna de escravidão e o tráfico sexual. Ao contrário do que alguns grupos afirmam, o direito de prostituir apenas criaria maiores barreiras para a equalização social entre os gêneros, por tratar a mulher como um objeto sexual de compra (já que são as representantes no comércio sexual em absoluta maioria).

            É estimado que somente nos EUA entre 100 mil e 300 mil menores de idade são sexualmente explorados, e que, no mundo, de 600 a 800 mil pessoas são traficadas através das fronteiras internacionais para suprir, em grande parte, o mercado da prostituição (onde 80% das vítimas são mulheres e acima de 50% são menores). Grande parte da soma de dinheiro gerado na indústria da prostituição acaba indo para o bolso de traficantes de humanos. A simples existência da prostituição acobertaria todos esses crimes e a descriminalização fomentaria a sua expansão.

          Além disso, pesquisas mostram que a grande maioria das pessoas na prostituição querem sair, e muitas delas foram coagidas, enganadas ou forçadas a entrar no comércio sexual. Certas pesquisas de campo sugerem que entre 60 e 75% das mulheres na prostituição foram estupradas, entre 70 e 95% foram fisicamente assaltadas e 68% passam no critério para o diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático, em um nível similar ao de soldados que voltam do combate e vítimas de sistemas governamentais baseados na tortura. Outras pesquisas mais controversas garantem que aproximadamente 50% das mulheres prostitutas foram iniciadas na atividade ainda crianças.

            Outro grande problema seriam as doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids/HIV. Relações sexuais envolvendo vários parceiros aumentam bastante os riscos de transmissão e muitos clientes/prostitutas não usam proteção, seja por falta dela ou por demanda dos clientes. A África, por exemplo, enfrenta um grave problema de disseminação do HIV gerada, principalmente, pela alta taxa de prostituição no seu território, algo que, aliás, serve de justificativa para se proibir a prostituição na maior parte dos seus países constituintes.


          É válido mencionar, contudo, que os EUA acabam sendo um exemplo bem curioso, onde apesar de ser ilegal, a prostituição por lá movimenta fortunas e é uma das práticas mais disseminadas em várias partes do país. Nos últimos 15 anos, a prostituição norte-americana migrou de uma base "de rua" para o mercado fechado (casas de massagens, agências de acompanhantes e mercado online), onde esse último engloba até 85% de toda a atividade sexual, em termos de profissão, nos EUA, e cresce ano após ano. Estima-se que no país a prostituição gera um mercado de $14 bilhões todos os anos. Dados de diferentes fontes sugerem que entre 16% e 30% dos homens norte-americanos já pagaram por sexo no país.
      

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   LEGALIZAÇÃO

             Nessa modalidade, a prostituição passa a ser descriminalizada e regulada pelo governo. Aqui, justifica-se a legalidade da atividade apoiando-se em duas bases: direito de livre expressão e segurança. Obviamente, o tráfico sexual, exploração de menores e outros crimes que possam estar envolvidos na prostituição serão combatidos pela lei por se tratarem de crimes.

             Assim como acontece na indústria pornográfica e em shows sexuais transmitidos pela internet, se quem está envolvido nessas atividades são adultos conscientes e voluntários nos seus atos, não cabe a ninguém julgar o modo como eles ganham dinheiro caso o mesmo não viole os direitos de terceiros, independentemente se a atividade carrega consideráveis riscos. Ou seja, as pessoas possuem o livre arbítrio de fazerem o que quiserem das suas vidas se não estão infringindo negativamente a vida de outras pessoas. O significado de dignidade e moralidade, nesse caso, passa a ser do cidadão individual, não da sociedade. Se uma mulher, homem ou transsexual escolhe ganhar dinheiro a partir do sexo, este o qual é algo praticado por todos e sem limites, isso diz respeito somente ao indivíduo, caso seja um adulto. Descriminalizar a prostituição torna-se, então, uma garantia de direitos básicos.


            Pesquisas no Reino Unido mostram que em torno de 11% dos britânicos (homens) entre 16 e 74 anos já pagaram por sexo, no mínimo, em uma ocasião, algo que equivale a 2,3 milhões de indivíduos. No território britânico existem em torno de 72,8 mil prostitutos/as, com 32 mil deles apenas em Londres. E as quantidades chegam a ultrapassar e muito esses valores em diversas outras partes do mundo, independentemente do estado de legalidade do mercado sexual, como na Rússia, nos EUA e aqui no Brasil. Assim, ficaria óbvio que a demanda pela prostituição é gigantesca e não vai acabar com a ilegalidade. Na verdade, criminalizar uma atividade com tal demanda apenas encorajaria o envolvimento de organizações criminosas e da corrupção. Além disso, criminalizar fomenta um pesado preconceito por parte da sociedade em relação aos trabalhadores sexuais, trazendo ainda mais prejuízos para os mesmos. E, diferente de drogas pesadas, a prostituição, caso feita com proteção e voluntariamente, não fere direitos alheios ou danifica gravemente a saúde. Ninguém é proibido de fazer sexo ou desencorajado a fazê-lo, diferindo apenas que uma prostituta, por exemplo, cobra por ele. E aqui também entra o fator ´segurança´ proporcionado pela regulação governamental.

            Regulando a prostituição, o governo pode suprimir certas atividades (incentivando, por exemplo, a saída dos trabalhadores sexuais das ruas - onde a atividade encontra os maiores riscos - para locais fechados e mais seguros através de programas específicos), delimitar locais/instalações onde essas atividades podem ocorrer (administração de bordeis, por exemplo), fiscalizar melhor quem está na prostituição, exigir licenças e cobrar impostos dos trabalhadores sexuais. Com isso, crimes podem ser melhor combatidos, pessoas na atividade se sentem mais seguras e o governo pode melhor direcionar campanhas de conscientização (práticas de sexo seguro, distribuição de preservativos, etc.), inspetorias médicas e até mesmo mostrar outras alternativas de trabalho para quem quer sair do ramo. Na Alemanha, por exemplo, os impostos cobrados de prostitutas e prostitutos são direcionados para a melhoria das condições de trabalho dos mesmos e campanhas de conscientização. Além disso, sentindo-se mais amparados pela lei, muito mais trabalhadores sexuais seriam incentivados a denunciar crimes ocorrendo em seu meio para as autoridades.

           Quem está na prostituição de forma voluntária muitas vezes entra por falta de opções de trabalho e de oportunidades. Em parte a culpa recai sobre o Estado, este o qual deveria lutar por boas condições de vida e oportunidades para toda a população. Criminalizar uma consequência da falha do Estado torna-se insustentável. E seria o mesmo que fechar uma favela e expulsar seus habitantes à sua própria sorte porque ali dentro existe muita criminalidade gerada pela pobreza. O governo precisa intervir para melhorar a situação, tentando tirar as pessoas de um triste ciclo de desgraças. Somando-se a isso, nunca podemos esquecer que várias pessoas podem entrar voluntariamente na prostituição apenas interessadas no potencial lucro desse mercado. Mulheres em especial são atraídas com maior intensidade, já que a prostituição é considerada a única atividade na maioria dos países onde elas, na média, ganham mais do que os homens. Aqui, mais uma vez, deixando explícito outra desigualdade social.

           É válido também lembrar que o maior envolvimento do governo não estaria elevando quaisquer status da prostituição e, sim, garantindo mais segurança para a mesma, tanto no quesito da violência quanto na questão das doenças sexualmente transmissíveis.  



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      DESCRIMINALIZAÇÃO

           Aqui, a prostituição também foge da ilegalidade mas, diferente da legalização, não haveria a intervenção governamental na atividade. Apenas crimes, como o tráfico sexual, exploração sexual, entre outros, continuariam a ser combatidos. Nesse caso, bordeis, cafetões e locais para a prostituição seriam livres. O governo teria apenas que garantir a segurança da comunidade como um todo, gerando benefícios gerais sem distinção de tratamento entre quem está e quem não está na prostituição.

            Muitos questionam, por exemplo, se a interferência direta do governo apenas não transfere o papel de cafetão de um intermediário comum para as mãos do governo, especialmente com as cobranças de impostos. E muitas intervenções poderiam ser vistas mais como limitações do direito de livre expressão do que como uma ajuda. Além disso, a íntima influência da polícia na atividade poderia continuar fomentando a corrupção e abuso de poder da mesma nesse meio, aumentando o estresse e medo, principalmente entre as prostitutas.

           Apenas descriminalizar removeria leis específicas e regulação da polícia do controle da prostituição, garantindo maior liberdade para os indivíduos e ainda tiraria um enorme fardo do sistema judiciário, considerando a complexidade da atividade. Boa parte dos trabalhadores na prostituição aprovam esse sistema, o qual, para eles, garante uma maior flexibilidade e autonomia. 

     
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   DESCRIMINALIZAÇÃO COM CONTROLES

          Aqui, teríamos a prostituição fora da ilegalidade e aproximando-se da legalização, mas com bem menos intervenção governamental. Seria uma opção razoável entre a total legalização e a total descriminalização. O governo e sua força policial agiriam pontualmente para melhor organizar a atividade da prostituição e impedir choques desnecessários com o resto da sociedade. Recrutamento, propagandas e aglomerações nesse ramo seriam controlados para dificultar crimes. Fiscalizações, campanhas de conscientização e checkups médicos também seriam compulsórios para combater doenças sexualmente transmissíveis e garantir a saúde física e emocional dos envolvidos na prostituição. Bordeis e cafetões podem ou não ser proibidos. Mas inexistiria, por exemplo, a exigência de licença/registro para o trabalho e a cobrança de impostos e outras regulações econômicas na atividade. Ou o registro e pagamento de impostos pode ser implantado, mas os trabalhadores sexuais não precisariam declarar sua atividade ou serem controlados pelo governo, como acontece na Dinamarca.   

          Deixar a descriminalização sem nenhum controle traria vários problemas. Na prostituição de rua, a distribuição descontrolada de prostitutas/os pode fazer com que as mulheres ali sofram assédio de homens; poluição  das vias públicas com camisinhas descartadas; barulho; uso indevido de espaço público; facilitação na entrada de drogas, roubos e coerção; desvalorização de casas e diminuição das oportunidades de negócios na região; e crianças estariam mais suscetíveis a testemunharem a solicitação/atividade sexual em via pública. Como a prostituição não é uma atividade profissional usual e traz consideráveis riscos para os trabalhadores envolvidos, algum controle do Estado precisaria tomar espaço.
     

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   CRIMINALIZAÇÃO DOS CLIENTES


            Nesta última via, temos uma solução especial já adotada pela Suécia, Noruega, em 2015 pela Irlanda do Norte e, no ano passado, pela França. Aqui, ser prostituto ou prostituta não configura um crime, mas quem compra os serviços dos mesmos está cometendo um crime. Os países adotando essa estratégia esperam diminuir a demanda pela prostituição sem atacar ou marginalizar os trabalhadores sexuais, estes os quais estariam livres para reportarem crimes dentro da sua profissão e se exporem mais para receberem auxílios diversos. Seria também uma forma de diminuir as desvantagens entre os gêneros na prostituição onde, geralmente, o homem (comprador) tende a levar a melhor em termos criminais em comparação com as prostitutas.

          A Suécia foi o primeiro país a adotar essa estratégia, em 1999. Bem, segundo estudos governamentais, a prostituição nas ruas caiu quase 50% desde então, mas outras formas da atividade, como em casas de massagem, acompanhantes e atendimento domiciliar permanecem sem análises especulativas. Pode ser, talvez, que parte da demanda apenas mudou de alvo, não significando uma diminuição global na prostituição. Houve, por exemplo, um aumento em mais de 20 vezes nas propagandas envolvendo acompanhantes no país, apesar disso não necessariamente significar que houve um aumento na prostituição nesse setor, apenas um aumento nas propagandas.

           Na Noruega, esse sistema foi implantado em 2009, mas ainda é inconclusivo se houve prejuízos ou benefícios desde então. Dados governamentais sugerem que sim, mas dados da Anistia Internacional, por exemplo, mostram que o aumento do policiamento para valer o cumprimento da lei gerou grande intimidação nos trabalhadores sexuais, em um efeito contrário do que se esperava. Várias prostitutas já entrevistadas no país dizem que se sentem pouco a vontade em procurar a polícia para denunciar crimes ou pedir qualquer ajuda, mesmo sabendo que não estão praticando nada ilegal.

 

       RESULTADOS

             Na prática, nenhum desses modelos mostra-se bem protegidos de falhas preocupantes, especialmente na criminalização. Apesar de crenças contrárias, não existem evidências de que a prostituição e o tráfico sexual aumentaram com a adoção da descriminalização. Também não existem evidências convincentes que a descriminalização diminui a demanda pela prostituição ou declínio do tráfico. No geral, os benefícios e prejuízos entre as diferentes modalidades de descriminalização não parecem diferir muito na balança quando adotadas na prática, e não representaram prejuízos frente à criminalização. A coleta de dados para análises também encontra dificuldades para melhores comparações. Porém, mesmo com muitos problemas não sendo solucionados e certas inconsistências analíticas existirem, especialistas mostram benefícios a longo prazo na saúde e de curto/longo prazo no bem-estar dos trabalhadores sexuais quando os mesmos não possuem sua ocupação criminalizada.

            Uma exceção que pode ser citada aqui é a Nova Zelândia. Lá foi adotado a completa descriminalização e o governo, junto com grupos de pesquisa isolados, vêm mostrando grandes benefícios na área. Melhores condições de trabalho para os trabalhadores sexuais, melhor comunicação entre eles e a força policial, e nenhum aumento detectável no tamanho da indústria sexual ou exploração dos envolvidos. Porém, pode ser que particularidades do país e modo de implantação do modelo sejam a resposta, e não necessariamente o modelo em si.



       OPINIÃO

            Sob o meu ponto de vista, a prostituição deveria, no mínimo, ser descriminalizada. É fato que fatores econômicos são os principais motivos que levam as pessoas a se prostituírem e que, para que a situação mude, maior investimento educacional, melhores oportunidades e maiores ofertas de emprego deveriam ser disponibilizadas para a população. As mudanças precisam ser sociais e não legais nesse quesito, principalmente quando a atividade faz parte do livre arbítrio de um indivíduo e não gera violações aos direitos de terceiros. Aliás, várias organizações internacionais de saúde, como a OMS (Organização Mundial de Saúde), também suportam a descriminalização para ajudar a frear a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis. Segundo o Nationnal Aids Trust, a descriminalização incentiva a procura de quem está na prostituição a procurar auxílio médico e em aceitar melhor campanhas de saúde pública, algo que, se implantado globalmente, poderia evitar entre 33 e 43% de novas infecções. A Anistia Internacional também afirma que a criminalização dos trabalhadores sexuais faz com que um grupo de pessoas já em desvantagem fique ainda mais vulnerável à violência e outras violações.

           Muitas opiniões contrárias à descriminalização vêm de argumentos geralmente morais, religiosos e emotivos, os quais não deveriam influir em uma decisão legal caso crimes não estejam, necessariamente, envolvidos. Quanto à existência de terríveis atos criminais dentro da prostituição, principalmente contra as mulheres e crianças, esses apenas refletem o poder falho do Estado em combatê-los. A intolerância à mulher existe em todo lugar e o mesmo pode ser dito da exploração de menores. O foco deveria ser em limpar as sujeiras da casa, e não em derrubá-la violentamente. Casas podem ser reconstruídas, especialmente se a demanda for grande em financiá-las.

           Isso sem contar que, na ilegalidade, quem muitas vezes é punido são os trabalhadores sexuais, deixando de fora clientes, traficantes e cafetões. Em específico, eu escolheria a legalização como solução. Apesar da descriminalização com controles trazer uma razoabilidade entre a plena legalização e a plena descriminalização, na prática ela acaba trazendo restrições nem sempre bem-vindas. Aqui no Brasil, por exemplo, bordeis - caracterizados como um local onde mais de um trabalhador sexual atuam com regularidade - são proibidos, já que não existe uma intervenção do governo para garantir um gerenciamento saudável dessas instalações. Mas, muitas prostitutas, por exemplo, preferem trabalhar unidas por se sentirem mais seguras, e isso é mais do que compreensível dependendo do ambiente onde elas atuam. Além disso, uma maior intervenção do governo poderia garantir muito mais ferramentas para combater a disseminação de doenças. Caso exista abusos do governo na legalização, seria culpa da corrupção não do sistema teórico.
                  

           E apesar de achar a criminalização apenas do comprador uma boa estratégia, não acho que isso muda muita coisa a longo prazo, podendo até trazer graves riscos. Com as pessoas, principalmente homens, tendo mais medo em comprar serviços na prostituição, muitos podem ficar tentados a procurarem mercados sexuais mais escondidos da lei, onde sérios crimes podem estar ocorrendo, como abuso de menores e uso de escravos sexuais. Outro ponto é que os compradores temerosos com a polícia podem obrigar as prostitutas/os a se encontrarem em locais de seu gosto para a prática do sexo. Isso traria grandes riscos pra o trabalhador sexual. Em última instância, violações diretas na liberdade de expressão estariam ocorrendo proibindo adultos de pagarem por sexo de outro adulto.

           A exclusiva descriminalização poderia ser uma opção e mostra resultados positivos na Nova Zelândia. Porém, esse é um país de Primeiro Mundo e muito diferente em suas tradições, sistema governamental e estruturas educacionais do que grande parte do mundo. Como a prostituição atrai grande demanda e diversos riscos consideráveis, a inexistência de uma regulamentação mais pesada por parte do governo em vários países subdesenvolvidos do mundo, no mínimo, não fará com que a situação mude para melhor ou pior, na minha opinião, claro. A descriminalização isolada poderia vir depois de uma legalização bem sucedida e melhorias significativas no IDH do país alvo.   

   
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ATUALIZAÇÃO (20/12/17)
Nos EUA, como um todo, a prostituição é proibida, mas em Rhode Island, a prática foi descriminalizada - fora de locais públicos - entre os anos de 2003 e 2009, devido a uma brecha legal. Em novembro de 2009, voltou-se a criminalizá-la. Agora, um estudo publicado no Review of Economic Studies mostrou que a descriminalização da prostituição na região durante esses período, apesar de ter aumentado o comércio sexual, diminuiu em 30% a violência sexual e em mais de 40% a incidência de gonorreia entre as mulheres. Os achados são dados empíricos de grande importância que reforçam os benefícios alegados em favor da descriminalização da prática (Ref.11).
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REFERÊNCIAS
  1. Sexual traffick and Prostitution in Europe 
  2. http://www.cps.gov.uk/legal/p_to_r/prostitution_and_exploitation_of_prostitution/
  3. http://www.aic.gov.au/media_library/publications/tandi_pdf/tandi022.pdf
  4. https://2001-2009.state.gov/documents/organization/38901.pdf
  5. https://www.publications.parliament.uk/pa/cm201617/cmselect/cmhaff/26/26.pdf
  6. http://digitalcommons.hamline.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1003&context=dhp
  7. http://news.uark.edu/articles/16181/affluent-educated-women-may-choose-sexual-prostitution
  8. http://news.lib.uchicago.edu/blog/2010/10/31/prostitution-laws-outside-the-united-states-1/
  9. http://newsroom.ucla.edu/releases/decriminalizing-prostitution-linked-to-fewer-stds-and-rapes
  10. http://lsr.nellco.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1303&context=nyu_lewp    
  11. https://academic.oup.com/restud/advance-article/doi/10.1093/restud/rdx065/4756165?searchresult=1